Olhando para a história das missões na América Latina, voltamos ao passado da colonização desses territórios. Durante séculos, as missões foram parte do processo de colonização, contribuindo ativamente para sua execução. Quer seja por meio dos aldeamentos indígenas que formavam, ensinando-os a serem “civilizados”, dentro da lógica de civilização criada pelos próprios europeus. Quer seja por meio da aceitação do uso da mão-de-obra de africanos escravizados sob a justificativa de que não possuíam alma. Ou até mesmo da demonização da religião e culturas do outro “não-civilizado”. Mesmo que essa experiência tenha sido experimentada há séculos, alguns elementos dela continuam presentes hoje.

Pensando em tudo isso e em propor outro paradigma para as missões contemporâneas é que Analzira do Nascimento escreveu sua tese “Missão e Alteridade: Descolonizar o paradigma missiológico”, que chega ao público também em formato de livro, com o título “Evangelização ou colonização? O Risco de fazer missão sem se importar com o outro”. Muitas são as provocações e afirmações trazidas por Analzira sobre a prática missionária. Para ela, a mentalidade que concebeu as missões na América foi a mesma que estava executando as Cruzadas, aquela guerra de expulsão dos muçulmanos dos territórios europeus e da “cidade santa” de Jerusalém. Essa herança aparece hoje na maneira como enxergamos o outro sempre como mero receptor do conteúdo, que é a mensagem do evangelho. E, ainda mais, continuamos considerando a religião do outro demoníaca.

Assim, se nós somos herdeiros de uma missão colonizadora, como deve ser nossa prática no serviço do Muda-te? A saber que, na lógica da colonização o padrão de civilização era o branco europeu e as nossas periferias latino-americanas são, como diz Emicida em uma de suas músicas, “favela ainda é senzala”. Qual método missionário devemos seguir, ou melhor, que mentalidade devemos ter para nos relacionarmos com nossa vizinhança? Como ser instrumentos nas mãos de Deus, sem ser instrumentos de nossa própria cultura colonizada?

As questões são complexas e não imagino que num curto texto serei capaz de respondê-las. Porém, lembro de como se deu a descida do Espírito Santo sobre o povo no dia de Pentecostes. Cada pessoa, de lugares diferentes do mundo antigo, ouvia aqueles que haviam recebido o Espírito falarem em sua própria língua. Eram árabes, egípcios, cretenses, romanos… E a língua traz traços da cultura dos seres humanos, como bem sabemos. Mais que traduzir a mensagem do evangelho para outra língua/cultura, a ação do Espírito é torná-la compreensível dentro dos códigos de vida das pessoas dos mais diversos lugares. Talvez, não devemos converter, nem convencer as pessoas de nada. Devemos contar histórias, assim como Jesus fazia.

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